Unifesspa homenageia frei Henri des Roziers com título de Doutor Honoris Causa post mortem
Em meio a autoridades civis, políticas, eclesiásticas, líderes de movimentos sociais, representantes da Comissão Pastoral da Terra (CPT), frades dominicanos, membros da Congregação do Amor Divino, familiares de frei Henri, estudantes e servidores da Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (Unifesspa), moradores do acampamento ‘frei Henri’, ‘Helenira Rezende’, pessoas que vieram de várias caravanas da região sul e sudeste do Pará, do bico do Papagaio e de outros estados da Federação como Goiás, além do Distrito Federal, foi realizado o Ato Político e o de recepção e depósito das cinzas de frei Henri Burin des Roziers, numa capela construída especialmente para a guarda da memória daquele que em vida lutou incansavelmente pelos pobres e necessitados.
As homenagens do último sábado (14/04) ao frade dominicano começaram por volta das 10h da manhã, no Acampamento que leva o seu nome, próximo ao município de Curionópolis, no sudeste do estado do Pará. Durante o Ato Político, as autoridades presentes falaram sobre o repúdio aos despejos dos camponeses e o envenenamento deles, no mês passado, no acampamento ‘Helenira Rezende’; prisão política do padre Amaro, massacre de Pau D’arco, memória de 1 mês do assassinato de Mariele Franco e Anderson Gomes, prisão do ex-presidente Lula, processo de criminalização das lutas e o avanço do racismo e intolerância.
Com o evangelho de Mateus 25:35-40 em que diz: "Tive fome, me deste de comer; tive sede, me deste de beber; era forasteiro, me acolheste em casa; estava preso, me visitaste; estava nu, me vestisse; estava doente, cuidaste de mim”, a Missa celebrada pelo padre Domingos Monteiro da Cruz teve início e emocionou os presentes porque foi intercalada com diversas homenagens à frei Henri, entre elas peças teatrais e apresentações musicais. Uma delas, feita pelas crianças da Escola Domingos Martins entoando a música “Campeão” da cantora Jamily. Juventude Sem-terra realizou uma Marcha e adentrou o local com a música “Porque cantamos” e encenações lembrando a luta pela terra, a busca por justiça.
Depósito das cinzas
Um dos momentos mais marcantes do dia foi a recepção e o depósito das cinzas de Frei Henri na capela. As cinzas foram levadas ao som de músicas sacras acompanhadas pelo padre Domingos Monteiro e pela amiga e companheira de trabalho de frei Henri Ana de Souza Pinto, mais conhecida como Aninha da CPT.
Na capela estão gravadas frases em homenagem à frei Henri e uma delas destaca um pensamento dele que diz: “eu sonho, que quando eu esteja morto, seja enterrado no meio deles, no ‘meu acampamento’, e que as crianças passem dizendo: “Este é o túmulo daquele Frei Henri que lutava conosco pelo nosso direito à terra”. E a frase continua: “Esses sem-terra jogados na lama pela mídia, considerados como a ralé pela opinião pública e, às vezes, pelas pessoas das igrejas, pobres de tudo, colocaram meu nome ao seu acampamento; eu, rodeado de privilégios, de conforto e consideração; eu, tão em contradição com o Evangelho de Jesus; eu, seu irmão nas bem-aventuranças, como se eu fosse um destes pequenos, um destes preferidos de Deus! Há homenagem mais bela que essa em minha memória?”
Padre Monteiro destacou em seu discurso que “Deus está presente onde as vidas estão ameaçadas” e que frei Henri foi uma pessoa que andava incomodado com as situações de injustiças e desigualdades sociais e que incomodava muita gente. Ressaltou ainda que ele desenvolveu um movimento que contagiava outros e destacou: “outros ‘Henris’ surgiram a partir de seu grande exemplo”.
O poeta da cidade de Rio Maria - Inácio Barbosa, de 71 anos, declamou uma poesia ao frei Henri des Roziers. Emocionado, ele ressaltou que o frade merecia todas as homenagens e muito mais do que foi feito ali.
Título Honorífico
Outro momento marcante do dia de homenagens foi a concessão do título de Doutor Honoris Causa – ‘pós-mortem’ à frei Henri pela Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (Unifesspa). Uma placa de homenagem foi entregue à Alan des Roziers, sobrinho do Frei, outra a Jeane Ann Bellini, da CPT Nacional e o diploma foi entregue à Aninha da CPT de Xinguara. A dencisão de entregar a honraria aos cuidados da CPT foi aprovada em Conselho Universitário, como uma forma de reconhecimento ao trabalho da Comissão Pastoral da Terra no sul e sudeste do Pará, lugar onde Henri des Roziers atuou por muitos anos.
O título honorífico é o primeiro nos registros da Unifesspa, recém-criada em julho de 2013, pela ex-presidente Dilma Rousseff. A concessão do título foi justificada pela Unifesspa especialmente pelo trabalho do frei em causas humanitárias, na defesa e promoção dos direitos humanos de trabalhadores e trabalhadoras rurais e seus defensores, atuando como advogado na Comissão Pastoral da Terra, nas regiões do Bico do Papagaio e sul e sudeste do Pará, durantes três décadas, desde 1980.
“A concessão do título de Doutor Honoris Causa (post mortem) ao Frei Henri Burin des Roziers se reveste de grande importância em vários âmbitos: para a Unifesspa, pois insere seu nome na história da Universidade, com sua prática profissional servindo de exemplo para os egressos de nossa instituição; para os que lutam por causas humanitárias, na defesa e promoção dos direitos humanos, pois trata-se de estímulo e inspiração; e para reforma agrária, uma tarefa inadiável a ser levada a cabo pela Nação”, pontuou o reitor.
Outras homenagens
A Ordem dos Advogados do Brasil da seção de Xinguara também homenageou frei Henri, na última sexta-feira (13/04), com a instituição do Prêmio “Frei Henri de Direitos Humanos”.
Seu Livro “Frei Henri: Um Apaixonado por Justiça” - Em 2016 a editora Du Cerf, de Paris, lançou o livro de Sabine Rousseau, ainda inédito no Brasil, “Apaixonado por justiça”, que retrata a trajetória de frei Henri des Roziers.
Na ocasião das solenidades, o reitor da Unifesspa Maurílio Monteiro recebeu o primeiro exemplar do livro que está sendo vendido no Brasil a R$ 20 reais.
Frei Henri Burin des Roziers
Ele foi um frei dominicano da ordem dos pregadores e da ordem dos advogados – tendo dedicado sua vida à luta pela justiça e a verdade, fazendo-se, na França e no Brasil, uma advertência para os poderosos e uma esperança para os empobrecidos. Confiou na promessa de Deus e de Jesus Cristo “Os pobres possuirão a terra”.
Ele foi uma pessoa que sempre sonhou com os bens da natureza, terra, florestas, biodiversidade, córregos, rios, águas cessassem de serem tratados como mercadorias. Sonhou com igrejas inspiradas pelo Espírito, fiéis ao Evangelho de Jesus Cristo, livres face às forças do poder do dinheiro, à serviço dos pobres, corajosas, sem medo de denunciar as injustiças. Ele sonhou ainda que a reforma agrária seja feita com justa distribuição das terras e que se desenvolva a agricultura familiar, ecológica e sustentável.
Frei Henri des Roziers veio trabalhar na região conhecida como Bico do Papagaio com padre Josimo, Lourdinha, Mada e Bia, Adilar, Dom Celso e tantos outros. Em 1991, se preparava para embarcar para a Guatemala. Ia trabalhar na América Central. Contudo, com o assassinato de Expedido Ribeiro de Sousa, ele mudou de ideia. Foi para Rio Maria, onde permaneceu na região até 2013, depois de se mudar para Xinguara onde organizou o escritório da CPT.
Aos 87 anos, o frade dominicano, que viveu no Brasil de 1979 a 2013 era formado em Direito e atuou como advogado da Comissão Pastoral da Terra em Goiás e no Pará.
Por defender os pequenos agricultores e os sem-terra do Pará, frei Henri foi ameaçado de morte na região de Xinguara (PA), onde residia, pelos fazendeiros locais. Na lista dos “marcados para morrer”, a sua cabeça valia R$ 100 mil. A da irmã Dorothy Stang, assassinada em 2005, R$ 50 mil.
Frei Henri atuou na condenação dos assassinos dos líderes sindicais João Canuto, morto em Rio Maria (PA) em 1985, e de seu sucessor, Expedito Ribeiro de Sousa, assassinado em 1991. Em 1994, o dominicano foi condecorado com a Legião de Honra da França, e recebeu vários prêmios nacionais e internacionais por sua atuação em prol dos direitos humanos.
Devido a graves problemas de saúde, que dificultaram sua mobilidade, frei Henri retornou a Paris em 2013. Frei Henri faleceu no dia 26 de novembro de 2017, às 14h30, em Paris, na França. Após participar de uma celebração, almoçou, foi para seu quarto, onde faleceu repentinamente.
Redes Sociais