Em experiência inédita, discentes e professores do curso de Engenharia Florestal visitam aldeias em São Félix do Xingu
O semestre letivo 2023. 2 começou de uma forma diferente na Faculdade de Ciências Agrárias, do Instituto de Estudos do Xingu (IEX/Unifesspa). O motivo é a realização da disciplina "Vivência de Campo", ofertada para as turmas 2019 e 2020, do curso de Engenharia Florestal, nas aldeias Madjyre e Kokraimoro, do Território Indígena Kayapó, em São Félix do Xingu (PA). A disciplina foi conduzida pelos docentes Dra. Edna Santos e Dr. Cristiano Bento, com apoio da professora Dra. Gabriela Paranhos.
A realização da disciplina em uma terra indígena objetivou possibilitar aos discentes do curso de Engenharia Florestal uma vivência junto aos indígenas Mebêngôkre, a fim de proporcionar uma complementação dos conhecimentos adquiridos em aulas teóricas e práticas, ministradas no âmbito das diversas disciplinas que compõem o currículo, para que também pudessem confrontá-los com as práticas de uso e manejo dos recursos naturais adotados pelos Mebêngôkre.
“De outro lado, os indígenas estão cada vez mais presentes no campus da Unifesspa de São Félix do Xingu. Por isso, consideramos importante ir até eles como uma forma de compreender as suas reais necessidades educacionais e de acolhimento pela instituição. Nesse sentido, verificamos que seria uma boa oportunidade para conhecer, de perto, as dinâmicas de uso da terra, organização social e uso em geral do território pelos Mebêngôkre, que receberam tão bem os (as) docentes e discentes da Engenharia Florestal”, explica o professor, Cristiano Bento.
Rodeada de simbolismo, a viagem ocorreu entre os dias 2 e 6 de maio de 2023, sendo a primeira experiência do campus de São Félix do Xingu junto a uma aldeia indígena da região. A saída ocorreu no dia 02 de maio de 2023, pela manhã. Após a acomodação dos 17 alunos e dos docentes que conduziram a disciplina, a voadeira seguiu pelo rio Xingu por um tempo de 4 horas, até a aldeia Madjyre e Kokraimoro. Após a chegada, houve o preparo do almoço coletivo feito na cozinha da escola da aldeia Kokraimoro, local em que todos ficaram hospedados por ser um espaço de maior estrutura para comportar as mais de 20 pessoas ali presentes.
O próximo passo foi conhecer a aldeia Madjyre, que fica situada um pouco mais à frente da aldeia Kokraimoro. O percurso foi guiado por dois discentes indígenas, Takakrã, do curso de Licenciatura em Letras – Língua Portuguesa, e Bepkakô, do curso de Engenharia Florestal e até então residente na aldeia Majdyre.
Ainda neste primeiro dia, ocorreu a primeira visita a algumas roças situadas próximas à aldeia Madjyre. Neste momento, Takakrã e Bepkakô iam respondendo a algumas questões colocadas pelos discentes e docentes sobre o formatos das roças, sobre os seus modos de apropriação social, se eram de indivíduos ou de famílias, como eram formadas, que tipo de cultivos existiam, quais os critérios utilizados para alocar um espaço para a instalação das roças, porque haviam barreiras de tábuas e madeiras cortadas servindo como proteção, dentre outras questões fundamentais.
Figura 1 – Diálogo sobre a lógica social e ambiental de uma roça Mebengôkre
No dia seguinte, o grupo continuou a caminhar pelas roças próximas à aldeia Madjyre. Desta vez, eles foram apresentados às roças tanto de famílias da aldeia Madjyre quanto de famílias da aldeia Kokraimoro. Além das roças, foi possível conhecer também o sistema tradicional de uso e pousio da terra. As áreas contíguas a elas são também compostas de florestas secundárias, que cresceram ali em função de uma consciência ecológica orientadora de um uso racional evidente. As áreas de roças são utilizadas por um tempo e depois passa-se para outros locais, para que a área anterior seja recuperada. Desse modo, as áreas antes utilizadas acabam por virar florestas secundárias.
Figura 2 – Áreas limítrofes das roças com a floresta cercadas para evitar que animais roedores devastem a plantação
Ao seguir o curso das caminhadas no dia 04 de maio, foram observadas que as áreas de roças são próximas às áreas de mata (secundária e primária). Assim, foi possível que discentes e professores questionassem Takakrã e Bepkakô sobre os nomes dados às espécies encontradas, bem como os seus usos. Os discentes estavam sempre atentos às explicações, munidos de cadernos de campo, GPS e celulares para os registros fotográficos. O GPS foi uma ferramenta utilizada em todos os momentos.
Na sequência, os discentes acompanharam um pouco da aula que estava sendo ministrada para as crianças da aldeia Madjyre. Na ocasião, puderam ver o comportamento das crianças em situação de sala de aula, o empenho das professoras e professores que, juntamente com os monitores (indígenas tradutores), empreendem esforços para realizar uma educação escolar indígena bilíngue. A organização didático-pedagógica das aulas e estruturais, no que diz respeito à escola, também foi outro ponto observado.
Os docentes falaram sobre os seus próprios processos formativos, dentre outras questões. Nos períodos em que não estão em sala de aula, pouco antes de irem para as aldeias, os (as) professores (as) recebem um curso da língua Mebengôkre. Com estes cursos e com as trocas linguísticas cotidianas é possível acumular um repertório linguístico razoável o suficiente para estabelecer expressivos diálogos com o povo, o que é importante para o transcurso das aulas e da convivência diária com os Mebengôkre.
Nesse mesmo dia, o grupo pode conversar com um técnico de enfermagem que trabalha no posto de saúde e atende todas as comunidades acima da aldeia Madjyre e Kokraimoro. O posto conta com médicos e enfermeiros. Nenhum é indígena. Os indígenas ocupam outros postos: agente de saúde, pilotos de barco. O posto de saúde oferece vários serviços, como vacinação, acompanhamento de gestantes, partos, dentre outros. Ainda assim, parte da comunidade, quando tem problemas com picadas de inseto, cobra, escorpião, recorre ao pajé da aldeia Madjyre.
A existência do posto de saúde, em muitos casos, não faz com que os indígenas abandonem a crença na sua medicina, sendo este um fato de grande importância. De todo modo, os indígenas recorrem ao posto de saúde para resolverem uma série de outros problemas, o que indica a coexistência – e a crença - nos dois sistemas de saúde (o universal e o deles).
Figura 3 – Posto de saúde que atende indígenas das várias aldeias do rio Xingu
No último dia de expedição, o grupo atravessou o rio Xingu pela parte da manhã. Na margem esquerda existem mais roças e também uma mata primária com bastante densidade. Foi um momento muito importante, onde todos puderam observar o trabalho das mulheres na roça, na retirada da mandioca e no plantio imediato da maniva. Nesse mesmo momento, houve uma caminhada longa pela mata, orientada pelo Bepkakô e pelo Takakrã.
Figura 4 – Registro fotográfico no interior da floresta primária
Os discentes e docentes se depararam, pela primeira vez na caminhada, com a mata nativa. Assim, puderam ver a relação do seu curso com a realidade dos povos indígenas do Território Kayapó. Mais ainda, tiveram a oportunidade de observar o quanto a sua formação abre possibilidades para trabalhar em articulação com estes povos, conhecedores milenares dos processos de preservação da natureza e donos de uma habilidade com o manejo do ambiente ainda pouco conhecida. “Estimamos que a disciplina “Vivência de Campo” possa contribuir para alavancar, cada vez mais, uma relação mutuamente respeitosa e acolhedora entre os Mebengôkrê e a Unifesspa, principalmente o campus do Instituto de Estudos do Xingu, dada a proximidade”, finaliza a profa. Edna Santos.
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