"Sonho de cidadão": Unifesspa é homenageada com poema de um estudante cego
“De uma história alegre ou triste, eu consigo fazer um poema”. É assim que José de Sousa Bezerra Filho, 51 anos, descreve sua relação com arte de compor em versos. Ele é um dos 130 alunos com deficiência que estudam na Unifesspa e contam com o apoio especializado do Núcleo de Acessibilidade e Inclusão Acadêmica (NAIA).
Nas comemorações dos sete da Unifesspa, se destacou ao produzir um poema retratando sua perspectiva em relação à universidade. O poema poderá ser conferido ao final deste texto. Mas a história de José não começa aqui. Vítima de um acidente doméstico, aos quatro anos de idade perdeu parcialmente a visão. Por falta de apoio especializado, ele só conseguiu ser alfabetizado aos 10. E, por um longo tempo de sua vida, achou que pararia por aí.
Contrariando as expectativas, aos 45 anos, teve a oportunidade de voltar a estudar. O maranhense, natural de Santa Inês, entrou para o Centro de Apoio Pedagógico à Pessoa com deficiência visual (CAP), onde concluiu os estudos pelo programa de Educação de Jovens e Adultos.
“Foi no CAP que eu descobri gostar de poesia. Comecei, então, a escrever poesias e me apresentar em eventos e escolas. Com isso, as pessoas foram conhecendo o meu trabalho e um pouco da minha história”. José não esconde a paixão pela rima dos cordéis nordestinos, uma paixão que tem origem no ambiente familiar. “Meu forte é o cordel rimado. Cresci ouvindo minha mãe ler e recitar poemas de cordel. Ela era apaixonada por esse tipo de literatura”, revela o poeta.
Em 2014, por meio de uma parceria do CAP e da UEPA, produziu o livro “Minha vida em poesia”, com mais de trinta poemas inéditos que falam de amor, política e histórias de vida. A obra é acessível em braile e conta com o recurso de impressão em tinta ampliada, o que facilita a leitura para pessoas com baixa visão.
Ingresso na Universidade
Como sua vida é cheia de desafios, em 2019 decidiu encarar mais um: ingressar em uma universidade. O curso escolhido foi o de Letras-Português da Unifesspa. “Após lançar meu livro, pretendia ter mais domínio da língua portuguesa para aperfeiçoar-me na escrita. Cursar letras tem me ajudado muito nesse sentido”, explica.
Apesar da alegria pela aprovação no vestibular, José sabia das adversidades que teria que enfrentar. “Tive medo, pois era um sujeito de 50 anos, cego, entrando numa turma repleta de jovens. Eu era o ‘vovozão’ da turma”.
O início, segundo ele, foi difícil. “Os colegas tinham medo de chegar até mim, talvez por não saber como se comportar ou pensar que eu não gostaria da aproximação”. Graças à percepção de professores, que notaram o distanciamento de José com os demais estudantes, essa realidade foi superada.
“Os professores Áustria [Rodrigues] e Gilmar [Bueno] perceberam esse distanciamento e fizeram com que eu me inseri-se no grupo, sem forçar a barra. De lá para cá, não tive mais problema de aproximação com meus colegas”. José promoveu várias oficinas de braile para os colegas, como forma de ajudá-los a entender mais sobre o tema.
Na Unifesspa, José conta com o apoio de colegas, professores e bolsistas que o acompanham nas suas atividades universitárias. O estudante elogia o apoio recebido pelo Naia, responsável por promover a inclusão no ambiente universitário. “O trabalho do Naia é essencial e muito bem desenvolvido. Quando preciso de algum material, rapidamente é providenciado. Além disso, conto todo o suporte necessário dos bolsistas apoiadores”.
Objetivos
Os objetivos de José estão apenas começando a se concretizar. “Quero concluir minha graduação e ingressar em um mestrado, aqui mesmo na Unifesspa. Estar na universidade para mim é muito importante, pois me ajuda a me ver como cidadão”. Atualmente, ele é bolsista apoiador em ações de revisão braille e práticas de extensão do Naia.
Consciente da realidade que o cerca, o estudante lamenta a falta de políticas eficientes o bastante para garantir oportunidades de trabalho às pessoas com deficiência. “Nós buscamos cidadania e valorização. Queremos ser vistos pela sociedade como seres humanos na sua plenitude de direitos e deveres. O primeiro passo para isso é ter a consciência de que somos iguais. Nós temos uma deficiência, mas todo o ser humano tem a sua deficiência”.
Com uma centena de poemas produzidos e guardados, José espera oportunidades para que sua arte possa ser publicada e conhecida pelas pessoas. “Queria um patrocinador para lançar pelo menos mais um livro”, confessa o poeta que é apreciador da obra de Cora Coralina, Fernando Pessoa e Mario de Andrade.
“Tenho uma vida normal, eu só não enxergo”
José mora sozinho, em uma casa quase sem nenhuma adaptação à sua deficiência. Independente, cuida da limpeza da casa, lava as próprias roupas, prepara sua comida. Somente quando precisa ir ao supermercado ou sair para resolver algo, conta com a ajuda da irmã e uma sobrinha. “Tenho uma vida normal, eu só não enxergo”, enfatiza.
Atualmente, é presidente da Associação dos Deficientes Visuais de Marabá (Adevismar), entidade que busca assegurar direitos e melhorar a qualidade de vida dos deficientes visuais. No tempo livre, tem como principal hobby a leitura, feita por aplicativos de leitura de pdfs ou audiolivros.
Poema para Unifesspa: “Sonho de Cidadão”
O convite para escrever o poema veio da coordenadora do Naia, professora Lucélia Cardoso Cavalcante. “Como reconhecimento de sua produção poética, convidamos o José, a criar uma poesia alusiva à trajetória histórica de sete anos da Unifesspa. Com a dedicação peculiar deste importante poeta que temos na região, ele aceitou o desafio e nos presenteou com uma criação poética de grande significado”, destaca.
Mesmo revelando atravessar um bloqueio criativo, “J. Bezerra” não recusou. Para ajudar no processo criativo, ele assistiu a vídeos sobre a Instituição. “Fiz o poema por etapas e precisei de dois dias para finalizá-lo. Com ele, quis homenagear os professores, a interação da comunidade, a valorização dos alunos e o grande trabalho do Naia”. Confira:
“Sonho de Cidadão”
Para elevar a nossa emoção,
Nessa grande comemoração,
Vamos falar de uma jovem instituição,
Que prima pela qualidade,
Com trabalho e honestidade,
Sem falsa ideologia valoriza a educação.
Nos dias do Brasil atual,
Parece até natural,
Ver cada um lutar por si mesmo,
Esperando que o outro se dê mal,
Porém na nossa universidade,
Lutamos juntos por um mundo ideal.
São sete anos de muito trabalho,
Após a emancipação,
Sempre com foco no futuro,
Preparando cidadãos,
Com sonhos ambiciosos,
Mas sem tirar os pés do chão.
A universidade acolhe a todos,
Que procuram suas vidas melhorar,
E no campo da educação superior,
É a maior no estado do Pará.
Gente de toda parte,
Que tem sonhos a realizar,
Buscam a Unifesspa para os concretizar,
Pois sabemos que para crescer,
Precisamos muito estudar,
É a única forma possível,
De ter armas para lutar.
A Unifesspa nos ensina,
O respeito pelo outro,
União e igualdade aceitando as diferenças,
Promovendo a dignidade.
Dentro da Unifesspa,
O aluno tem valor,
Não há a menor diferença,
Entre aluno e professor,
Há respeito de parte a parte,
E por tal consideração,
Pela política de união,
Agradecemos ao senhor reitor.
Trabalhadores pela educação,
Numa batalha sem armas,
Espada florete ou canhão,
Lutam arduamente pelo futuro cultural,
Do povo e da nação.
A grande diversidade,
Que se ver na multidão,
É uma forma simples,
De promover a inclusão,
São pessoas de várias idades,
Costumes crenças e tradição,
Buscando o mesmo objetivo,
Conhecimento crescimento e educação.
Os alunos com deficiência,
Recebem apoio de verdade,
Contamos com o Naia,
Inclusão acadêmica e acessibilidade,
Profissionais capacitados e serviço de qualidade,
Coordenadora e técnicos,
Assistente social e apoiadores,
Nos ajudam a conquistar,
Autonomia conhecimento e liberdade.
J. Bezerra
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Foto: Reprodução Ascom/Prefeitura de Marabá
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