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Mês do orgulho LGBTQIA+: o papel da universidade no debate e visibilidade da luta por respeito

  • Publicado: Quarta, 30 de Junho de 2021, 12h11
  • Última atualização em Quarta, 30 de Junho de 2021, 16h15
  • Acessos: 2632

Stonewall Inn riots O dia 28 de junho de 1969 é um marco histórico na luta da comunidade LGBTQIA+ pelos seus direitos. A data rememora o levante ocorrido em Stonewall Inn, um dos bares mais frequentados pela comunidade gay, em Nova York, nos EUA.

Neste dia, frequentadores do local resolveram dar um basta nas frequentes abordagens policiais que aconteciam no local pelo fato do público ser homossexual. Ao tentar prender pessoas que estavam no bar, por não estarem vestidas com roupas consideradas pelos policiais como adequadas ao seu sexo, a polícia foi encurralada e um princípio de incêndio foi registrado no bar.

O episódio em Stonewall Inn gerou uma série de mobilizações e ativismo nas ruas, dentro e fora de Nova York, que se estendeu por vários dias e acedeu o debate público sobre os direitos à parcela da população historicamente marginalizada por conta da sexualidade e da identidade de gênero. Formou-se, então, um grito plural pela liberdade e manifestação de orgulho das pessoas ao se assumirem como eram.

Por isso, em 28 de junho é celebrado o Dia Internacional do Orgulho LGBTQIA+ (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transexuais, Queer, Intersexo, Assexual e +). Uma data para refletir sobre as lutas e conquistas pelo direito de existir sem sofrer violência e por justiça social. Há vários anos consecutivos, o Brasil é o país que mais mata pessoas transexuais, de acordo com dados de organizações que monitoram os casos de violência de gênero em todo o mundo, como a Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA).

A falta de dados oficiais e a subnotificação tornam essa realidade ainda mais cruel e difícil de ser superada. Para a professora Ana Condeixa, da Faculdade Comunicação (Facom) da Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (Unifesspa), a universidade é um ambiente propício para a construção de uma sociedade menos preconceituosa. “O espaço da educação é onde forjamos indivíduos e cremos que devemos fazê-lo para que possam construir uma sociedade mais equânime, igualitária e justa socialmente”, afirma. Atualmente, a professora prepara um projeto que visa estudar a questão trans nas comunidades indígenas e quilombolas.

Universidade como um espaço inclusivo e diverso

Na Unifesspa, o respeito a diversidade, seja ela qual for, é um princípio expressamente previsto em sua identidade organizacional, que deve ser sempre almejado e praticado por toda a comunidade acadêmica. Mais que isso: deve gerar impactos também para além dos muros da universidade, em outros setores sociais.

campanha diversidadeAinda não há dados ou pesquisas que quantifiquem a presença da comunidade LGBTQIA+ na Unifesspa. Contudo, reconhecendo a importância e a necessidade de garantir o acesso e a plena participação desse público no espaço universitário, diversas iniciativas vêm sendo adotadas pela Instituição em defesa de direitos e no combate ao preconceito e à intolerância. São campanhas educativas, pesquisas, ações e projetos institucionais, entre outros. 

Em abril deste ano, uma resolução aprovada no Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão (Consepe) passou a garantir ações afirmativas na reserva de vagas/cotas para pessoas trans (transgêneros, transexuais e travestis) nos cursos de pós-graduação da Unifesspa, ampliando o direito à cidadania a este e outros grupos historicamente excluídos.

Essa garantia é fruto de intenso debate e luta da comunidade acadêmica, fomentado especialmente pelo Núcleo de Ações Afirmativas, Diversidade e Equidade (Nuade). Criado em 2018, o Núcleo atua na articulação de ações transversais voltadas a promoção e implementação das políticas afirmativas no interior e que também reflitam para fora da Universidade. Uma das coordenadorias do Nuade é especialmente responsável por refletir aspectos da diversidade de gênero e sexualidade, a fim de se combater as formas de preconceito e violência que têm motivação nesses aspectos humanos.

O papel da universidade no debate sobre gênero e sexualidade

De acordo como professor Reginaldo Cerqueira, coordenador do setor de Apoio à Diversidade de Gênero e Sexualidade do Nuade, a universidade deve assumir também o papel de esclarecimento filosófico e científico sobre gênero e sexualidade. “É necessária a produção de conhecimento capaz de desnaturalizar o essencialismo biologizantes que envolve gênero, sexo e sexualidade. Demonstrar que não existe uma natureza do sexo, que gênero e sexualidade são construções sociais e culturais”, afirma.

Cerqueira explica que a violência e o preconceito contra as pessoas LGBTQIA+, sobretudo contra as pessoas trans, tem na concepção de naturalização do “ser homem” e do “ser mulher” como modos de vida imutáveis e fechados em si um de seus fundamentos e justificativa. “O Brasil é o país que mais mata pessoas LGBTQIA+. Essa concepção retira, como nos diz Berenice Bento, a humanidade daquele que não tem um gênero compatível com o sexo, negando-lhes direitos e cidadania”, afirma o docente.

O pesquisador também chama atenção para o fato de que, ainda, apenas 26% projetos pedagógicos dos cursos de graduação da Unifesspa abordam o tema da diversidade sexual e de gênero nos currículos de forma explícita. Outro ponto central da análise, refere-se aos cursos de licenciatura, que são aqueles responsáveis pela formação de profissionais que atuarão na educação básica. Menos de um terço têm no seu currículo disciplinas obrigatórias e ou optativas voltadas para as relações de gênero e diversidade sexual.

IMG 20200316 WA0060“Se queremos transformar concepções de mundo, temos que começar pela formação do corpo discente. Se eles e elas não estão preparados filosófico-cientificamente para lidar com essas questões, correrão o risco de serem produtores dos mecanismos que naturalizam gênero, sexo e sexualidade perpetuando as formas de exclusão”, pontua o pesquisador.

Aceitação, mudanças e novos paradigmas

Vinda de uma família a qual considera carregada de preconceitos em diversas áreas, a estudante de jornalismo, e bolsista de pesquisa sobre divulgação científica, atuante junto à equipe da Assessoria de Comunicação (Ascom), Ana Lua Franco, ou Lua, como prefere ser chamada, desde a infância sentia disforia entre o seu gênero a imagem que via no espelho.

Por conta das convenções familiares e sociais dominantes, cresceu tendo que se adequar e até mesmo se comportar do jeito que fizesse com que as outras pessoas ficassem mais satisfeitas. Para ela, a falta de representatividade e de noção das diferentes formas de ser e existir no mundo dificultavam o processo de compreender bem o que realmente ela era.

No início do ano passado, Lua conseguiu se entender como pessoas trans. “Foi um processo bem forte para mim. Aos poucos, fui entendendo quem eu era, o meu papel perante a sociedade e a mim mesma. Hoje conto com a ajuda de pessoas próximas a mim que me apoiaram nessa caminhada e que são minha base de sustentação para que eu possa existir de forma livre e sem medo”, confessa.

Quanto a aceitação da sociedade, a estudante acredita no respeito como melhor forma de convivência. Ela avalia, ainda, que a vivência da comunidade LGBTQIA+ é muito mais discutida e debatida dentro do meio universitário e isso é de extrema importância para que os futuros profissionais exercitem o respeito ao saírem de seus respectivos cursos para o mercado de trabalho.

“É importante destacar que como a universidade está sempre em contato direto com a sociedade, seria importante estreitar esse diálogo e discutir temas importantes que trazem a comunidade LGBTQIA+ como pauta central”, afirma.

A estudante pretende desenvolver pesquisas e trabalhos que abordem a temática LGBTQIA+, com foco na comunidade de mulheres trans, transmasculinos, não bináries e travestis. “Percebo que não temos representatividade dentro da academia por conta do histórico social imposto às pessoas trans que não têm oportunidade de acesso ao meio acadêmico”, finaliza.  

Orgulho de ser quem é

Pedimos aos entrevistados nesta reportagem para que falassem quais motivos eles tinham para se orgulhar de ser e se aceitar como são. Confira:

professor reginaldo

 

Reginaldo Cerqueira, professor e historiador, que se identifica como homem gay cisgênero

“Numa sociedade como a nossa, que há séculos naturaliza as formas de violência e ainda hoje nega direitos às pessoas que vivem a sexualidade e têm uma identidade de gênero diferente do que é chamado “normal”, dizer o que me orgulha em ser o que sou tem um peso e uma responsabilidade muito grande. Ainda mais nestes tempos tão sombrios. O orgulho de ser o que sou carrega na sua memória as pessoas que vieram antes de mim, que foram vítimas da violência, por causa do seu gênero e sexualidade, e que lutaram para que hoje eu pudesse falar com franqueza sobre esse assunto. Portanto, só posso falar desse orgulho dizendo que ele é, antes de tudo, um ato de resistência. Minha sexualidade é um ato político. É um ato político porque ela não se enquadra na normalidade que tenta definir como cada um e cada uma de nós deve viver, sentir prazer ou amar. E, por não se enquadrar no padrão, ela também se coloca contra as formas de opressão”.

 

 
professora condeixa

 

Ana Condeixa, professora e pesquisadora, que se considera pessoa Queer→

“Nós LGBTs+ só temos motivos para nos orgulharmos de sermos quem somos. A homossexualidade, assim como a questão trans, é uma condição e não uma escolha. Somos, sobreviventes, fazemos parte de uma comunidade que é a que mais morre vítima de violência, isso sem falar dos casos de suicídio. Somos pessoas que, apesar de pagarmos os nossos impostos, temos que brigar por direitos como casar, adotar ou simplesmente existir. E apesar das adversidades, estamos aí persistindo, perseverando. Não podemos mais aceitar desrespeito. Somos filhos, pais, mães, jornalistas, advogados, professores, médicos. Somos resistência e não desistimos nunca!”.

 

 
lua franco

 

Ana Lua Franco, estudante de jornalismo, se identifica como travesti ou mulher trans

“Hoje eu consigo me sentir mais livre e feliz de olhar para o meu reflexo e me encontrar nele. A felicidade de sentir contemplada ou até mesmo sentir que eu estou sendo verdadeira com o mundo e com a minha alma é algo indiscutível. Ser travesti no país que mais mata pessoas transsexuais nos últimos 12 anos é um ato de resistência imensurável. E mesmo que eu coloque minha vida em risco num lugar de grande preconceito, pretendo continuar na batalha contra o preconceito e a discriminação de toda a comunidade LGBTQIA+. Depois de 24 anos de vida, me sinto orgulhosa pela pessoa que me tornei e que assim como várias manas trans, eu sobrevivi a todos as micro e macroviolências que nossos corpos viveram e ainda vivem. E por fim, espero me tornar uma, de muitas transsexuais que irão se formar e que terão oportunidade entrar no mercado de trabalho e mudar o cenário atual que ainda insiste em nos empurrar para a marginalidade ou até mesmo para a não existência”.  

 

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